Neste final de semana, Porto Alegre foi palco de um dos maiores atos de crueldade, insensatez e brutalidade que o ser humano é capaz de produzir. Durante uma passeata, um grupo de ciclistas foi atropelado por um motorista, resultando em mais de dez feridos (sorte, pois poderiam haver mais, inclusive com vítimas fatais).
A história é controversa, vou tentar fazer uma análise fria, mas não podemos fugir de alguns fatos. Em primeiro lugar, os ciclistas, pertencentes ao grupo “Massa Crítica”, pedalavam incentivando a troca do carro pela bicicleta, um trânsito melhor, ou seja, uma causa legítima, pacífica e acredito sem possibilidade causar uma guerra nuclear.
Conforme relato dos ciclistas, o dito carro teria tentado furar o bloqueio quando o grupo estava na rua José do Patrocínio. Ocorrera uma discussão entre motorista (que estava com o filho de 15 anos) e os integrantes da passeata. Agora entram as duas versões.
Os ciclistas alegam que reivindicaram o direito de fazer a manifestação e o motorista, inconformado com o bloqueio da via, jogou o carro por cima das pessoas, atirando corpos e bicicletas para cima, produzindo uma cena de horror jamais esperada.
Já o motorista, em depoimento hoje na Polícia Civil, contrapôs dizendo que os ciclistas bateram no vidro do seu carro, inclusive chegando a quebrá-lo. Na tentativa de proteger o seu filho, ele teria tentado desviar e resultou em acertar algumas pessoas. Seu advogado afirmou hoje que “ele quis preservar as vidas”.
Estes são os fatos!
Mesmo com provocação e com o vidro quebrado (supostamente), acelerar e atropelar um grupo de pessoas é um ato criminoso e brutal que, na minha opinião, deve ser encarado como tentativa de homicídio doloso. Ao dirigir e tentar desviar do bloqueio (se é que foi essa a intenção), o motorista assumiu os riscos de provocar o acidente.
Outro ponto. O motorista provocou um acidente de trânsito e fugiu do local. Crime previsto no Código Brasileiro de Trânsito. Certamente, o protagonista dessa história também responderá por isso. Isso não me cheira sinal de boa intenção e, sobretudo, de consideração com a vida humana.
Terceira questão. Acelerar um carro com mais de uma tonelada de peso na direção de um grupo de pessoas é um ato de bestialidade e covardia que poucas vezes eu tive notícias. Na China, durante uma passeata, um estudante se postou em frente a um tanque de guerra e conseguiu impedir o avanço de militares para inibir uma passeata.
E se o motorista que protagoniza esta história fosse o condutor daquele tanque? Qual seria o desfecho da história chinesa? Aliás, fico curioso para saber como foi o psicotécnico deste cidadão ao tirar carteira. Será que tinha a pergunta: “É correto passar por cima de manifestantes quando estes bloquearem a rua?”. Arrisco um palpite de qual teria sido a sua resposta.
Duvido da tese de “não tentar atropelar”. Nem se o cara estivesse dirigindo uma lambreta ele teria como desviar daquelas pessoas. Ou ele acha que sou trouxa, ou ele é péssimo de cálculo ou faltou uma desculpa melhor.
Acima de tudo, sorte do grupo que não houve uma vítima fatal. E também do motorista. Afinal, ele pegará uma pena mais branda. Nada comparado à cicatriz eterna deixada na civilidade e na humanidade. Aliás, que péssimo exemplo de um pai para um filho, hein?
Defendo há muito tempo que o sistema penal brasileiro seja mais rígido. Uma atitude como essa mereceria uma sentença que levasse à cadeia por certo tempo, além de trazer conseqüências educativas, como por exemplo, proibição de dirigir.
Por fim, lamentavelmente, a atitude deste senhor inicia mais um capítulo em uma guerra do trânsito. Qualquer desentendimento nas ruas envolvendo bicicletas e automóveis pode gerar uma confusão com tendências para resultados graves.



